08/02/2010

Gente de Faro

 O ÚLTIMO ENGRAXADOR 
Até há bem pouco tempo, só na Rua de Santo António e artérias adjacentes, nos principais cafés e zonas
de tertúlia da baixa farense, como no Jardim Manuel Bívar, debaixo das suas frondosas árvores, nos
cafés Aliança, Atlântico, Gardy ou Acordeon, os dedos de uma mão não chegavam para contar o número
de engraxadores que, de caixas de madeira na mão, cheias de pomadas de várias cores, as melhores
escovas e panos para limpar, engraxar e puxar o lustro dos sapatos dos fregueses, não se poupavam a
esforços para conquistarem junto dos clientes o título de melhor engraxador.

Uma dessas figuras, que preenchiam a principal zona pedonal de Faro e ainda fazem parte das recordações e imaginário de várias gerações de farenses, é Renato Martins dos Santos, um natural de Lagos que há quase meio século engraxa no conhecido café-pastelaria Gardy, onde o septuagenário é, hoje, o último engraxador da baixa farense.  Com o apoio do Zé Dias, proprietário da prestigiada pastelaria farense, foi ao encontro do senhor Renato.

Entre mesas e cadeiras da Gardy lá encontrámos o nosso engraxador. Aviado um freguês e após respondermos afirmativamente à frase que o caracteriza – Vai uma engraxadela? – só tivemos tempo
de colocar o pé no patim da velha caixa de madeira - que se falasse tinha muitas histórias para contar sapato a jeito e começou a função. Sem qualquer aviso prévio, o senhor Renato, homem de poucas palavras, admirado pela entrevista de bloco de notas em cima do joelho e máquina fotográfica na mesa, a custo mas de forma afável lá foi respondendo: “Cheguei a Faro há cerca de 46 anos e há mais ou menos quarenta e três que engraxo os sapatos dos clientes da Gardy, ou os que por aqui passam”, e aceitam o conhecido convite para engraxar. Sem interromper o vai-vém dos dedos besuntados de pomada e das escovas a entranhar em cada recanto e costura do sapato, o mestre engraxador recorda os “muitos amigos” que tem feito ao longo de décadas na nobre arte de engraxar, “entre antigos engraxadores e clientes de todas as condições sociais”,
sem esquecer igualmente o preço das engraxadelas então praticado:
“Quando comecei cada engraxadela ainda custava dois escudos (1cêntimo), agora já custa seis euros(1.200 escudos)”. Ciente que a idade já pesa, ainda pior porque a profissão obriga a trabalhar `corcuvado´, Renato
já admite, embora a contra-gosto:
“É pena que no Verão os clientes diminuam, pois muitos fregueses habituais vão de férias, mas normalmente o mínimo são cinco engraxadelas por dia”. Em nota de rodapé e com a ironia que me é habitual, sempre remato, também em jeito de lamento. O senhor Renato é o último engraxador da baixa de Faro, embora
seja do conhecimento público que, nos dias de hoje, cada vez há mais …engraxadores…, também com (outras) …pomadas… de várias cores, que nada têm a ver, bem pelo contrário, com tão nobre arte, infelizmente mais uma em vias de extinção.

"Algarve Press"
Antigo engraxador do Jardim Manuel Bívar


Aspecto do Jardim Manuel Bívar Anos 90 (Café das Pirâmides)  


2 comentários:

Anónimo disse...

Uiii ainda me lembro do "Passarinho" aquele belo engraxador ao lado do café das pirâmides :)

a Gaja disse...

Lembro-me tão bem dessa personagem das pirâmides...